Para iniciar uma poesia, a mais linda que até hoje pude encontrar.
Aos que vierem
depois de nós*
Bertolt Brecht
(Tradução de Manuel
Bandeira)
Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é
loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que
ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para
chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um
delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar
tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não
poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de
ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é
pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa
comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
[(se
a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come!
Alegra-te, pois tens o quê!"
Mas como posso comer e beber,
se
ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao
sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria
de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da
sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem
temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a
violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os
desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não
posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
Para as
cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a
fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e
indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi
concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às
batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor
me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a
Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na
terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra
traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os
governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim
passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram
escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la
claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim
passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Vós, que
surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos
também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos
tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Íamos, com
efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de
sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando
havia só injustiça e nenhuma indignação.
E, contudo,
sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah,
os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos
ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem
seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com
indulgência.
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